DESCRIÇAO BREVÍSSIMA
DOS SEIS ESTADOS INTERMEDIÁRIOS – BARDO.

Do livro “A Grande Liberação ao Ouvir nos Estados Intermediários”
[The Great Liberation by Hearing in the Intermediate States]
Composto por Padmasambhava e revelado pelo Terton Karma Lingpa

 

ESTADO INTERMEDIÁRIO – Tib. Bardo; Sâns. antarabhava

O uso original do termo na literatura do budista clássico do Abhidhanna sugere que isto é exclusivamente referido ao período entre o momento da morte e o momento do renascimento. Contudo, de acordo com as escolas Nyingma e Kagyu, o termo “estado intermediário” refere-se às fases-chave da vida e da morte identificadas como:

  1. o estado intermediário da vida (rang-bzhin bardo);
  2. o estado intermediário de concentração meditativa (bsam-gtan bardo);
  3. o estado intermediário dos sonhos (rmi-lam bardo);
  4. o estado intermediário da hora da morte (chi-kha ‘i bardo);
  5. o estado intermediário da realidade última (chos-nyid bardo);
  6. o estado intermediário do renascimento (srid-pa’i bardo).

Durante cada uma destas fases, a consciência de um ser senciente tem qualidades experienciais particulares e, correspondentes a estas qualidades de experiência, existem técnicas meditativas específicas conducentes à realização da natureza última da mente e dos fenômenos.

  1. Estado Intermediário da vida – Tib. rang-bzhin bardo.

O estado intermédio da vida começa no momento do nascimento e continua até ao momento da morte. Tendo obtido um precioso corpo humano com a capacidade de reconhecer a nossa condição real, surge a oportunidade de adotar um modo de vida correto e de se envolver em práticas que conduzem ao Estado Búdico.

  1. Estado intermédio da concentração meditativa – Tib. bsam-gtan bardo;

O estado intermédio de concentração meditativa iniciado durante o estado desperto proporciona ao praticante a oportunidade de cultivar o equilíbrio meditativo (Sâns. samahita, Tib. mnyam-bzhag) e assim alcançar estabilidade nas fases de geração e perfeição meditativa. Isto, por sua vez, aprofunda uma cognição ininterrupta da natureza última da mente e dos fenômenos durante as atividades pós-meditativas e também prepara o meditador para o estado intermediário da hora da morte (‘chi-kha’i bardo).

  1. Estado Intermediário dos Sonhos – Tib. rmi-lam bardo.

O estado intermédio dos sonhos começa a partir do momento em que adormecemos e termina quando acordamos. Este estado intermédio oferece ao praticante a oportunidade de reconhecer a semelhança entre a natureza ilusória dos sonhos e a do nosso estado desperto. Esta prática é cultivada no contexto do yoga dos sonhos, onde é possível refinara a capacidade de manter a cognição sobre a natureza última da mente e dos fenômenos, tanto durante o sono profundo como durante o sonho.

  1. Estado intermédio da Hora da Morte – Tib. ‘chi-kha’i bardo.

O estado intermédio da hora da morte (‘chi-kha’i bardo) inicia no momento em que o processo de morte começa irreversivelmente e termina com o início do estado intermédio da realidade última (chos-nyid bardo). Inclui a dissolução gradual dos cinco elementos e dos seus respectivos estados de consciência [ou 80 concepções mentais] e culmina com o surgimento da radiância luminosa interna na esfera da clara luz (gzhi’i ‘od-gsal). O surgimento natural da radiância luminosa interna inicia imediatamente após a cessação da respiração [ou seja, depois da dissolução externa] e é considerado como uma oportunidade suprema para realizar o aspecto ou corpo búdico da realidade última [ou dharmakaya].

  1. Estado Intermediário da Realidade Última – Tib. chos-nyid bardo.

O estado intermediário da realidade última (chos-nyid bardo) inicia após o estado intermediário da hora da morte (‘chi-kha’i bardo) e termina antes do estado intermediário do renascimento (srid-pai bardo). Aqui ocorre a oportunidade para que possamos reconhecer a pureza natural e as qualidades transformadoras naturais imbuídas na natureza última da mente sob a forma de luminosidades ou radiância luminosas, raios, sons e deidades meditativas, dependendo das práticas que o meditador adotou durante a vida.

Nesta fase há mais três aparências:

5.a) Tib. bar-do dang-po’i ‘od-gsal, isto é, 1. A radiância interna[1] que surge no auge do estado intermediário do momento da morte é a primeira das três “aparências” sucessivas que ocorrem após a morte e antes do processo do renascimento seguinte. Estas compreendem:

  1. A radiância interna da esfera,
  2. A radiância interna do caminho, e
  3. A radiância interna das deidades pacíficas e iradas no estado intermediário da realidade última.

Estas três fases não devem ser confundidas com a enumeração clássica dos seis estados intermediários.

  1. Estado Intermediário do Renascimento – Tib. sri-pa’i bar-do

O estado intermediário do renascimento se inicia após o estado intermediário da realidade última (chos-nyid bardo) quando a consciência surge na forma de um corpo mental, condicionado pelas heranças de ações passadas individuais, o indivíduo começa a experimentar tanto o ambiente onde ele ou ela morreu quanto o desdobramento de estados experienciais impulsionados pela força das ações (karmas) passadas.

Se a liberação da existência cíclica não for alcançada durante o estado intermediário da realidade última (chos-nyid bardo) esta oportunidade termina no momento da concepção. É dito que, visto que durante este período a consciência cognitiva possui certas qualidades super intensificadas. Portanto, a medida que a consciência atravessa estes vários estágios-chave [principalmente do chos-nyid bardo], há um grande potencial para alcançar a liberação ou no mínimo ter um renascimento favorável.

 

Notas complementares:

  1. Cognição intrínseca ou Autocognição intrínseca – Tib. rang-rig, Sâns. Svasamvitti – svasamvedana. De acordo com a epistemologia budista indiana e particularmente nos escritos dos grandes lógicos Dignaga e Dharmakirti, o termo svasamvedana refere a “faculdade autocognitiva da consciência” razão pela qual, às vezes, esta é apresentada como “consciência autocognitiva” ou “cognição perceptiva”. Entretanto, na visão da Grande Perfeição (rdzogs-pa chen-po) e no contexto do presente trabalho deste livro [A Grande Liberação ao Ouvir nos Estados Intermediários – ao qual pertence esse extrato], o mesmo termo se refere à mente inata fundamental em seu estado natural de espontaneidade e pureza, que vai além dos estados alternados de movimento e repouso e da dicotomia sujeito-objeto. Consequentemente, neste livro é apresentado como “cognição intrínseca”. Como tal, a cognição intrínseca proporciona ao meditador o acesso à cognição prístina ou a mente búdica[2] (Tib. rig-pa) – e contrasta diretamente com a ignorância fundamental (avidya), que é a causa primária do renascimento na existência cíclica (samsara). A introdução direta à cognição intrínseca é um alcance distinto dentro da escola Nyingma Esta prática é um componente central da Disciplina da Instrução Esotérica (upaseda) do Atiyoga, onde é conhecida como Cortando Através da Resistência (khregs-chod).

2. Samantabhadra em Sâns.; Tib. Kuntu Zangpo; significa ‘bondade absoluta’, ‘bondade contínua’ ou ‘bondade imutável’. Isto significa que essa bondade fundamental imutável e contínua é nossa natureza última. Nos ensinamentos de Dzogchen, nossa verdadeira natureza prístina, pura e espontânea, essa ‘Esfera ou Base de Tudo’, recebe o nome de ‘Adi-Buddha’ – ‘Buddha Primordial’.  Samantabhadra representa a pureza primordial absoluta, deslindada ou desnuda e semelhante ao espaço cognizante da natureza de nossa mente. Outro termo comum para esse estado é Dharmakaya Buddha.

Compilação e tradução de Bia Bispo – Mcleodganj – Agosto 2021

 

Link ao PDF:  DESCRIÇAO BREVÍSSIMA dos estados intermediários por Bia 2021


NOTAS:

[1] Radiância Interna ou Clara Luz    Tib. ‘Od-Gsal’‘. O termo tibetano “od-gsal” que muitos traduzem como “clara luz” e que aqui foi traduzido como “radiância interna”, no contexto do estágio do aperfeiçoamento da meditação (Skt. Sampanna krama) refere-se ao nível mais sutil da mente, ou seja, a natureza fundamental e essencial de todos os nossos eventos cognitivos. Embora sempre presente em todos os seres sencientes, esta radiância interna se manifesta somente quando a mente grosseira deixa de funcionar. Tal dissolução é experimentada naturalmente pelos seres ordinários na hora da morte, mas também pode ser experiencialmente cultivada por meio das práticas do Tantra Yoga Insuperável. Uma distinção fundamental é feita entre a (1) radiância interna da esfera (gzhi’i ‘od-gsal) e a (2) radiância interna do caminho (lam-gyi ‘od-gsal). A primeira, que também é conhecida como a “radiância interna mãe” (‘od-gsal ma), ocorre naturalmente no momento da morte quando indica a presença do aspecto ou corpo búdico da realidade última (dharmakaya), mas pode não ser acompanhada pela cognição de sua natureza. A segunda, que também é conhecida como a “radiância interna filho” (“od-gsal bu”) é a cognição da natureza última da mente que é cultivada pelo meditador durante a vida, ou seja, quando o meditador compreende [diretamente] a natureza da “radiância interna mãe”, tal como é cultivada na meditação.

O Estado Búdico é alcançado quando a ‘radiância interna mãe’ e a ‘radiância interna filho’ se unem [ou seja, a união de “a cognição da natureza prístina – filho – e a própria natureza prístina inata – mãe”. Ou como o Dalai Lama sempre diz em palavras simples: a união da vaziedade e bodhicitta].

Em particular, diferenciam-se três fases sucessivas de radiância interna que são experienciadas no momento da morte e imediatamente depois: a primeira radiância interna (bar-do ‘od-gsal’ chos-nyid ‘od-gsal), que é identificada com a radiância interna da esfera; a segunda  radiância interna (bar-do ‘od-gsal gnyis-pa), que é identificada com a radiância interna do caminho; e a  terceira radiância interna (bar-do ‘od-gsal gsum-pa), que é identificada com o surgimento subsequente das deidades pacíficas e iradas durante o estado intermediário da realidade última (chos-nyid bar-do).

[2] Tib. rig-pa  este termo tem vários significados dependendo do contexto.  Geralmente pode ser sinônimo de inteligência ou aptidão mental, mas também transmite o significado de ciência ou ramos do conhecimento. “No contexto do verso significa “consciência prístina intrínseca”, cognição prístina Intrínseca” ou “consciência pura” e denota a mente inata em seu estado natural prístino de espontaneidade e pureza, que vai além dos estados alternados de movimento e repouso e da dualidade sujeito-objeto.

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