AS QUATRO NOBRES VERDADES E SUAS  DEZESSEIS CARACTERÍSTICAS

 

O texto Mahayana “Ornamento da Realização Clara” (Abhisamayalamkara) identifica quatro características ou aspectos para cada uma das Quatro Nobres Verdades, totalizando dezesseis características, que são apresentadas como um guia para contemplar e praticar essas Verdades. O Ornamento da Realização Clara é um texto chave no currículo dos mosteiros budistas tibetanos. Esse método de estudo e prática é muito enfatizado na tradição do Budismo clássico indiano da Universidade de Nalanda que foi preservado no Tibete.

 

Essas dezesseis características são identificadas da seguinte forma:

VERDADE DO SOFRIMENTO

As características a seguir referem-se aos cinco agregados.  [1]

  1. Sofrimento (Tib. sdug-bsngal ba; Sâns. duhkha) – os cinco agregados surgem por causa da ignorância (avidya)[2] e das emoções ou aflitivas perturbadoras (kleshas).[3] Estes estão sob a influência da ignorância e emoções perturbadoras.
  2. Impermanência (Tib. mi rtag pa; Sâns. anitya) – os cinco agregados são impermanentes e mudam de momento à momento.
  3. Vaziedade (Tib. stong pa nyid; Sâns. sunyata) – não existe nenhuma “entidade intrínseca (self)” separada dos cinco agregados, ou seja, uma entidade intrínseca que os controla ou os utiliza.
  4. Ausência de entidade intrínseca (Tib. bdag med pa; Sâns. anatmaka) – não há uma “entidade intrínseca ou eu (self)” imbuída nos cinco agregados que os controla ou os utiliza.

 

A VERDADE DA ORIGEM

As características a seguir referem-se ao karma,[4] ignorância  e emoções aflitivas

  1. Causa (Tib. rgyu; Sâns. hetu) – o karma, a ignorância e as emoções aflitivas estão surgindo constantemente dentro do nosso continuum mental, e por causa de suas naturezas [vazias] a qualidade deste é causar sofrimentos.
  2. Origem (Tib. kun; Sâns. samudaya) – as emoções aflitivas e o karma constituem a origem real do sofrimento, não apenas os elos intermediários.
  3. Produção forte (Tib. rab skyes; Sâns. prabhava) – ignorância, emoções aflitivas e karma agem vigorosamente como as principais causas do sofrimento (estes não são apenas substâncias causas substanciais).
  4. Condição (Tib. rkyen; Sâns. pratyaya) – ignorância, emoções aflitivas e karma são mais do que apenas as causas substanciais do sofrimento, estes são também as causas cooperantes.

 

A VERDADE DA CESSAÇÃO

As características a seguir referem-se à cessação

  1. Pacificação (Tib.zhi ba; Sâns. santa) – a cessação pacifica o tormento do sofrimento e traz a verdadeira paz.
  2. Cessação (Tib. ‘gog pa; Sâns. nirodha) – a cessação é a cessação de todas as emoções aflitivas e da ignorância para sempre.
  3. Estados Superiores ou Perfeitos (Tib. gya nom pa; Sâns. pranita) – a cessação é suprema em trazer a fonte de toda saúde e felicidade.
  4. Emergência definitiva ou renúncia (Tib. nges ‘byung, Sâns. nihsarana) – a cessação definitivamente nos liberará do samsara.[5] 

 

A VERDADE DO CAMINHO

As características a seguir referem-se ao caminho.

  1. Caminho (Tib. lam; Sâns. marga) – o caminho nos leva à cessação.
  2. Meios apropriados (Tib. rigs pa; Sâns. nyaya) – o caminho nos leva a uma compreensão completa da raiz da existência cíclica (samsara) e dos meios para escapar desta.
  3. Conquista (Tib. sgru pa; Sâns. pratipatti) – por meio do caminho, podemos definitivamente alcançar o resultado da liberação (nirvana) e com o desenvolvimento da Bodhicitta, iremos além, ao seja à iluminação suprema (Estado Búdico).
  4. Emancipação definitiva (Tib. nges ‘byin pa; Sâns. nairyanika – o caminho nos livra da escravidão de nossa existência condicionada. Onde se elimina completamente as obscurações emocionais e defeitos do samsara, assim que não se retorna mais (ao renascimento no samsara) alcançando assim, o nirvana.

 

Tradução para o português de Bia Bispo, baseado no livro – the “Four Nobles Truths”: The Foundation of Buddhist Thought (Volume 1) by Geshe Tsering Tashi. Boston: Wisdom Publications, 2005.


NOTA:

[1]   Os cinco agregados: a maneira tradicional de dividir uma pessoa em componentes psicofísicos.  1. Agregado da Forma ou Matéria;2. Agregado das Sensações; 3. Agregado das Percepções discernidoras ou Discernimentos; 4. Agregado dos Fatores Composicionais  ou Formações mentais;  5. Agregado da consciência.

[2] Avidya (sânscrito): ignorância. geralmente  essa é dividida em dois tipos: 1)   ignorância Imputada (Tib. Kuntag kyi marigpa – ཀུན་བརྟགས་ཀྱི་མ་རིག་པ་) também chamadas de: ignorância artificial; ignorância conceitual ou rotulada. Essa ignorância conceitual é o apego dualista devido ao desejo exacerbado. Do desejar começa a atração e aversão: o desejo por aquilo que experienciamos como agradável e distanciamento ou aversão por aquilo que experienciamos como desagradável.  A essa altura, surgem as três aflições mentais: o obscurantismo ignorância (tibetano: gti mug), o desejo exacerbado (tibetano: ‘dod chags)  e  0 ódio (tibetano: zhe dang). E como vimos, estes três venenos formam a base ou fonte de todas as aflições que experimentamos ao longo de nossas existências.  2) ignorância co-emergente (Tib.  lhenkye kyi marigpa – ལྷན་སྐྱེས་ཀྱི་མ་རིག་པ་). É o fato de que a mente não reconhece a sua própria natureza; essa ignorância co-emergente não refere a uma ignorância que é intrínseca à verdadeira natureza da mente. Devido à ignorância de não percebermos a verdadeira natureza da mente, surge o Obscurecimento à Iluminação.  Não só isso, mas junto a essas ignorâncias TEMOS DOIS Obscurecimentos:  1) NYON THRIB – ཉོན་སྒྲིབ་  –  Obscurecimento a liberação ou obscurecimento aflitivo    2) SHES TRIB  – ཤེས་སྒྲིབ་   – Obscurecimento a Iluminação ou obscurecimento cognitivo.

 De fato, em seus escritos Mipham Rinpoche diz que para alcançar o Estado Búdico, a pessoa deve estar livre de tudo isso.  A palavra Buddha  no idioma Tibetano significa Sangye. Sangསངས་, significa remover, eliminar a ignorância ou ‘despertar’ do sono da ignorância e eliminar completamente a ‘escuridão’ tanto dos obscurecimentos aflitivos quanto dos obscurecimentos cognitivos. E Gyeརྒྱས་, significa ampliar, aumentar, “expandir completamente” a tudo o que é conhecível e ‘desenvolver’ a sabedoria da onisciência – o conhecimento da verdadeira natureza de todos os fenômenos, assim como são e o conhecimento de todas as coisas em sua multiplicidade.

[3] Sâns. klesha. Tib. nyon-mongsཉོན་མོངས་པ་: são as emoções aflitivas (emoções destrutivas, emoções pertubadoras)   do desejo, aversão etc., que surgem devido a ignorância básica.

[4] Sâns. karma. Tib. las ‘dras  – ལས་འབྲས་: ação, ou ação e resultado. A lei natural do efeito ou resultados de suas causas. As ações positivas produzem felicidade e ações negativas produzem sofrimento.

[5] Samsara (sânscrito): existência cíclica, o estado de constantemente renascimento devido aos nossos agregados  contaminados pelas emoções aflitivas.

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